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Este ano celebramos três descobertas fantásticas: duas têm cem anos, a outra um. Em 1916, Karl Schwarzschild (que morreu nesse mesmo ano), publicava uma solução que descrevia matematicamente um buraco negro, e que foi a primeira solução interessante das equações de Einstein. Há cem anos também, Einstein previu que o Universo deveria estar preenchido por ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo que transportam energia e a força da gravidade. Há um ano, o detector LIGO estremeceu ao receber uma onda gravitacional, num acontecimento que foi baptizado de GW150914. Foi a primeira vez na história da humanidade que se detectaram ondas gravitacionais na Terra. Com toda a probabilidade, estas ondas foram emitidas durante a colisão de dois buracos negros, pelo que o GW150914 é também a mais forte confirmação da existência de buracos negros. Parabéns, Srs. Schwarzschild e Einstein!

Mas o GW150914 foi muito mais do que isso. Foi a mais longa e árdua procura por algo que tinha sido previsto teoricamente (matematicamente) mas que teimava em não se deixar ver. A comunidade cientifica, e todos nós por arrasto, fez da sua procura um desafio e um sonho: durante décadas, investindo dezenas de milhões de euros e dólares por ano, buscámos incansavelmente estas ondas. Esta procura levou-nos a construir o vácuo mais perfeito do Universo aqui na Terra e também o aparelho mais sensível de sempre (consegue detectar variações de comprimento inimaginavelmente pequenas!). Tivemos que perceber como se contornam os limites da mecânica quântica, como se resolvem as equações de Einstein em supercomputadores, e convencer ainda as agências de financiamento a manterem o investimento.
Esta procura não tem, nem nunca pretendeu ter, influência directa no nosso bem-estar físico imediato. Serve para compreender melhor o universo em que vivemos, e para satisfazer a curiosidade. Agora sabemos que tudo o que nos rodeia está impregnado de pequenas oscilações, que são produzidas por qualquer um de nós, pelo Sol e por quase tudo o que se mova. Percebemos também que os buracos negros, por esquisitos que sejam, existem! E que existem, portanto, sítios no universo que nos estarão para sempre vedados, e que no centro desses sítios habita uma singularidade que ainda não compreendemos bem. O GW150914 satisfez a nossa curiosidade e pôs-nos mais em sintonia com o mundo. Perceber isto é tão valioso como ver o Sol nascer todos os dias.
Portanto, parabéns ao Sr. Kip Thorne, ao Sr. Ray Weiss, LIGO, e a todos nós!
Texto de Vítor Cardoso
No dia 14 de Setembro de 2015 chegou ao fim uma das buscas mais longas da história da ciência. Apesar de separados por milhares de quilómetros, dois dos espelhos mais perfeitos do mundo moveram-se simultaneamente e da mesma forma, capturaram na Terra, pela primeira vez, uma onda gravitacional. Esta onda – também conhecida como o mensageiro de Einstein - foi produzida por um par de buracos negros há cerca de mil milhões de anos, muito antes do nascimento de Einstein e até da humanidade. O mundo da física prepara-se agora para uma nova era, em que vamos poder usar a astronomia gravitacional para saber tudo sobre as entidades mais misteriosas de todas: buracos negros.

O anúncio da detecção directa de ondas gravitacionais foi feito no dia 11 de Fevereiro de 2016 pelos cientistas do Laser Interferometric Gravitational Wave Observatory (LIGO), a colaboração americana responsável por esta descoberta. Segundo o LIGO, a fonte destas ondas são dois buracos negros, que colidiram com velocidades próximas das da luz. Um deles é 36 vezes mais massivo que o nosso Sol, enquanto que o outro tem 29 vezes a massa do Sol.
A busca por ondas gravitacionais demorou décadas, mas a humanidade tem agora as “antenas” mais sofisticadas de sempre, que lhe permitem ouvir os sons que permeiam o cosmos… Nada mal para um ser minúsculo, num planeta minúsculo no meio do Universo.
A astronomia de ondas gravitacionais vai permitir-nos conhecer o nosso universo a fundo. Vamos saber se a teoria de Einstein está correcta mesmo em situações tão extremas como as que envolvem buracos negros atirados um contra o outro à velocidade da luz, e quem sabe talvez até perceber melhor o início do universo. O nosso grupo tem sido muito activo nesta área, e estamos actualmente a tentar perceber qual a informação que está enterrada nas ondas gravitacionais.
Será que o destino de todas as estrelas é acabarem como buracos negros? Lê mais aqui.
“Os buracos negros não têm cabelo”. Pode parecer estranha, mas esta frase do físico de partículas John Wheeler é famosa entre os astrofísicos, sendo o ponto de partida de um importante teorema sobre os buracos negros, adequadamente chamado teorema da calvície (ou no-hair theorem, no original). No entanto um artigo de Vitor Cardoso e Paolo Pani, investigadores do Instituto Superior Técnico e outros dois co-autores, publicado pela revista Physical Review Letters (PRL) em setembro, põe em causa este teorema. Os autores do artigo defendem ainda que os seus resultados teóricos poderão ser verificados por observação direta.

“Os buracos negros, de acordo com a teoria de Einstein, não têm cabelo porque são muito simples: conhecendo apenas dois parâmetros, massa e rotação, sabemos tudo sobre estes astros”, refere Vitor Cardoso. “Esta condição foi descrita pelo matemático Roy Kerr numa solução descoberta em 1963”. Atuamente existem várias teorias de gravitação alternativas à teoria de Einstein. “Os buracos negros de Kerr são explicáveis por quase todas estas teorias, de tal forma que a hipótese de Kerr é o paradigma corrente da astrofísica”.
O artigo da PRL avalia a aplicação da hipótese de Kerr a um grupo de teorias alternativas à teoria de Einstein, chamadas teorias tensor-escalares. E os resultados do artigo põem em causa o teorema da calvície. “Se estas teorias estiverem corretas”, afirma Cardoso, “os buracos negros podem ser mais complexos que julgávamos e ter mais ‘cabelo’”.
“O aspeto mais importante deste artigo é mostrar que os buracos negros podem ser mais complicados do que o que se pensa” defende Paolo Pani. “Para além disso hoje em dia considera-se que os buracos negros são tão simples que qualquer observação astrofísica destes astros não pode ajudar na distinção entre relatividade geral e outras teorias. Este artigo fornece um forte argumento de que essa expectativa é errada”.
O artigo apresenta uma avaliação teórica, mas pode ter consequências práticas reais. “O ‘cabelo’ dos buracos negros pode ser ‘visível’”, confirma Cardoso, “porque o crescimento de cabelo nestes buracos negros é acompanhado pela emissão de ondas gravitacionais especiais, que no futuro poderão ser detetadas por interferómetros laser de ondas gravitacionais”. “Este trabalho”, considera Pani “mostra uma nova maneira de compreender se a teoria de Einstein está ultrapassada ou se descreve corretamente os buracos negros”. E conclui: “No final isso faz parte do método científico, imaginar novas experiências para colocar alguma teoria à prova”.
Texto de Margarida Milheiro
Seria, por si só, um bom argumento de ficção científica. Mas é verdade: os buracos negros podem ser canibais e “comer” o que geram. Quando dois buracos negros que se movem a velocidades próximas da luz chocam entre si, “comem” até metade das ondas gravitacionais criadas pelo próprio choque. Esta é a conclusão a que chegou o astrofísico português Vitor Cardoso, investigador e professor no Instituto Superior Técnico em Lisboa e mais três colegas, apresentada a 28 de Julho num artigo na revista científica Physical Review Letters (PRL).
De acordo com a teoria da relatividade geral todos os astros, ao moverem-se no espaço-tempo, criam ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo que se propagam à velocidade da luz. “As ondas gravitacionais foram previstas por Einstein, já lá vão quase cem anos”, refere Cardoso, “e a comunidade científica tem feito um esforço descomunal nos últimos dez anos para tentar detetá-las directamente.” Mas sem sorte.
O estudo realizado por Vitor Cardoso, Ulrich Sperhake da Universidade de Cambridge, Grã-Bretanha, Emanuele Berti da Universidade de Mississippi e Frans Pretorius da Universidade de Princeton, ambas nos Estados Unidos, tinha como objectivo “testar a conjetura que em inglês se chama “matter doesn’t matter” (“matéria não interessa”), indica Cardoso. Esta conjetura defende que a colisão de dois objectos movendo-se a velocidades próximas da luz dá sempre origem a um buraco negro. “Colidir duas canecas ou colidir duas pessoas a grandes velocidades, não interessa” afirma, rematando “o resultado final é sempre um buraco negro.”
Para comprovar a conjetura “matter doesn’t matter”, Cardoso e os seus colegas simularam a colisão de dois buracos negros com uma característica comum: moverem-se a velocidades próximas da velocidade da luz. “Utilizamos buracos negros nas nossas simulações porque são objetos muito simples,” justifica Cardoso.
“Quando estávamos a fazer o trabalho apercebemo-nos que havia algo que parecia mais interessante: Se a colisão entre os buracos negros não for uma colisão frontal, o processo gera ondas gravitacionais que são absorvidas pelos buracos negros.”
De acordo com as simulações realizadas por Cardoso e os seus colegas durante a colisão os buracos negros “absorvem 50% da energia cinética inicial”. O resultado final, descreve Cardoso são “buracos negros com menos energia e mais massa, mais lentos mas muito grandes”.
O estudo a ser publicado pela Physical Review Letters poderá ter consequências mais profundas para a astrofísica, no que toca à relação entre as duas teorias basilares da física, a teoria da relatividade geral e a teoria da mecânica quântica. Em conjunto, estas duas teorias explicam os fenómenos que conhecemos. Mas existem pontos em que estas teorias não parecem ser compatíveis.
Em 1969 o físico e matemático britânico Roger Penrose apresentou a conjetura da censura cósmica para lidar com um desses pontos, relativo ao que acontece no interior de um buraco negro.
A teoria da relatividade prevê que no interior de todos os buracos negros existe uma zona, chamada singularidade, em que se concentra toda a massa do buraco negro e que tem uma densidade infinita. Mas “a teoria não está preparada para ter infinitos”, aponta Cardoso. “Além disso, para densidades muito grandes, espera-se que a teoria da mecânica quântica entre no jogo. E nós não sabemos como havemos de pôr mecânica quântica em relatividade geral.”
A conjectura da censura cósmica defende que a singularidade de um buraco negro não é visível do exterior porque está sempre protegida pelo horizonte de evento, que Cardoso descreve como “o limite de um buraco negro a partir do qual a luz não sai e portanto a partir do qual não se tem informação nenhuma sobre o que se passa lá dentro.” Assim, continua Cardoso, “mesmo que a teoria da mecânica quântica seja precisa para descrever essa singularidade, nenhum observador no Universo quer saber disso, porque nenhum efeito quântico vai ‘sair’ cá para fora”.
Caso existissem excepções à conjectura da censura cósmica, iria “existir uma classe de objetos no Universo que precisariam da mecânica quântica para serem compreendidos” explica Cardoso, “e como não se sabe incorporar a mecânica quântica na relatividade geral, isso impediria o conhecimento desses objetos”, com consequências muito gravosas para a astrofísica e a cosmologia.
Mas, indica Cardoso, “o nosso estudo indica que quando dois buracos negros colidem, o horizonte de eventos continua a existir” e como tal “o estudo sugere que o censor cósmico funciona”.
Texto de Margarida Milheiro
Um estudo do nossa equipa demonstrou que os buracos negros no centro das galáxias ajudam os cientistas a medir a massa dos fotões e podem ser usados para descobrir 96% do Universo. Lê mais aqui.
O aparecimento de singularidades-pontos no espaço-tempo onde as leis da física clássica falham - na teoria de Einstein é algo que preocupa os cientistas desde há muito tempo. Agora, uma nova teoria da gravitação conseguiu reproduzir todas as previsões da teoria de Einstein, evitando ao mesmo tempo singularidades como o Big Bang ou no interior de buracos negros.

Subramanyan Chandrasekhar era um jovem investigador quando, com 19 anos de idade, sugeriu o seguinte cenário: ao esgotarem o seu combustível, as estrelas muito massivas deixariam de conseguir suportar o seu próprio peso, acabando por colapsar. Este colapso daria origem a um buraco negro albergando no seu interior uma singularidade. O famoso astrónomo Sir Arthur Eddington foi um feroz opositor destas ideias, tendo chegado a declarar que “deve haver uma lei da Natureza que proíba uma estrela de se comportar desta forma absurda!”
Nas muitas décadas decorridas desde a disputa com Eddington, a proposta de Chandrasekhar vingou e gerou uma teoria muito elegante de estrelas compactas e buracos negros. Não obstante, as objecções de Eddington ainda ecoam pelos corredores do espaço-tempo, principalmente devido à existência de singularidades, onde as leis que conhecemos deixam de ser válidas.
Os físicos detestam tanto as singularidades que em 1969 o físico-matemático Sir Roger Penrose propôs a Conjectura do Censor Cósmico, defendendo a existência de um mecanismo desconhecido que evita que singularidades no espaço-tempo afectem observadores.
Num artigo aceite para publicação na prestigiada Physical Review Letters, Paolo Pani, Vitor Cardoso e Térence Delsate, três investigadores do Instituto Superior Técnico, pegaram numa nova teoria da gravitação e mostraram que ela está livre
destes perigos. Nesta nova teoria, o colapso de uma estrela não resulta necessariamente numa singularidade, já que face a um aumento súbito da densidade da matéria uma nova força gravitacional repulsiva aparece. Uma vantagem adicional é prever a existência de “estrelas de matéria escura”, isto é, estrelas compactas que são invisiveis para os telescópios, mas que contribuem para a composição da matéria escura da nossa galáxia.
Estranhamente, esta nova teoria tem por base uma teoria proposta em 1924…por Sir Eddington!
Texto de Vítor Cardoso
“Os buracos negros da natureza são os objectos macroscópicos mais perfeitos do universo: os únicos elementos necessários para a sua construção são os nossos conceitos de espaço e tempo.” - Subrahmanyan Chandrasekhar
A atribuição de uma ERC Starting Grant veio permitir a nossa equipa a realização de um sonho: tempo, os melhores investigadores na area, meios materiais e motivação para estudar as equações de Einstein em regimes até agora nunca explorados. O European Research Council (ERC) é um organismo central europeu que se propõe a fixar na Europa os investigadores de mais alto nível, sendo a excelência o único critério a aplicar na selecção. As bolsas podem ir até os 2 milhões para jovens investigadores e permitem ao líder fixar-se em qualquer instituição europeia e criar uma equipa para explorar um projecto ou ideia arrojada. O nosso projecto intitula-se “The dynamics of black holes: testing the limits of Einsteins theory” (Acrónimo: DyBHo) e vai ser desenvolvido durante os próximos 5 anos. Este projecto propõe compreender a fundo as equações de Einstein, o que elas nos dizem sobre a forma como os buracos negros interagem e como é que os poderemos observar.

Antes de mais, é importante sublinhar que os buracos negros desempenham um papel importantíssimo na física actual. Já não são objectos de ficção científica nem objectos exóticos. Acreditamos que existam biliões de buracos negros no nosso universo. Quando dois buracos negros colidem – e isto acontece frequentemente no universo – emitem uma quantidade impressionante de ondas gravitacionais (também chamadas de “mensageiros de Einstein”). Estas ondas são uma consequência da teoria de Einstein mas ainda não foram detectadas experimentalmente porque quando chegam à Terra são muito fracas. Existem vários detectores à procura destas ondas. Quando as encontrarmos, vamos perceber muito melhor o nosso universo. Ora, para percebermos a informação que elas transportam temos de perceber exactamente como é que estas ondas são produzidas e que informação levam consigo; e é aqui que o nosso projecto entra. Esta é a componente astrofísica, mas o projecto tem também uma importante componente de altas energias, já que a interação de buracos negros é fundamental em várias teorias de unificação. Uma componente importante do nosso projecto é perceber como é que se formam buracos negros quando duas partículas colidem a energias muito grandes (chamadas trans-planckianas). Existem alguns argumentos que indicam que para se perceber isto basta colidir dois buracos negros a grandes energias, e é precisamente isso que estamos a fazer. Estes tópicos são interessantes porque estamos a ir ao âmago de questões fundamentais:
- Como é que a teoria de Einstein se comporta em situações de curvatura forte e colisões com extrema violência?
- Conseguiremos observar as ondas gravitacionais e, em caso afirmativo, elas concordam com a previsão da teoria, ou teremos de melhorar as equações de Einstein?
- Há décadas atrás Sir Roger Penrose formulou a conjectura da Censura Cósmica, segundo a qual “singularidades nuas” são proibidas. Esta conjectura nunca foi provada. Será que existe mesmo um censor cósmico no Universo?
- Se produzirmos buracos negros em aceleradores, conseguimos discriminá-los, isto é conseguimos saber que eles se formaram?
Creio que responder a questões fundamentais como estas é uma recompensa muito grande para todos nós. Não houve nenhuma civilização que não tentasse desvendar os mistérios do Universo. Esta é também a nossa missão.
Texto de Vítor Cardoso